Um dos jogos mais fantásticos de sempre

16/05/2012

"Tantos sonhos palavras em vão, esse meu coração já ouviu por aí", "mi delito es la torpeza de ignorar que hay quien no tiene corazón... y va quemando, va quemando..."


No outro dia a minha mãe teve visitas em casa, uns vizinhos de outrora que a recordação e o carinho quis juntar outra vez, mas a filha destes não foi por uma simples razão, não tinha ninguem com quem falar, ou seja não tinha ninguem da sua faixa etária para ouvir a merda que ela diz.

Eu aí há uns tempos quando fui à terra, fui ver umas vizinhas que a minha avó tinha muita estima e que quando eu era pequenina gostavam de muito de mim (ou nem tanto, os avós da rapariga que não foi ao jantar da minha casa consideravam-me inferior por não ser baptizada, mas isso é outro assunto), se era pelas gracinhas que eu fazia, se era pelas rimas que ainda hoje uma dessas vizinhas tem guardadas, só sei que me sentia bem perto dessa gente, a minha gente.

Os meus avós tiveram sorte, esse era outro tempo, foram para essa região de mãos a abanar, mas felizmente havia uma pessoa com dinheiro que os deixou ficar num terreno com casa, lembro-me da minha avó contar que eles não tinham nem uma cama onde dormir, mas com o passar dos tempos lá foram comprando as suas coisinhas.

Sabem quanto pagavam os meus avós pela casa e o terreno com direito a cultivo? Nada. Rien de rien, mas como boas pessoas pobres mas honradas que eram sempre que tinham ou batatas, ou algum porco ou o que fosse davam ao dono das terras.

E lembro-me das tardes passadas em companhia dessas vizinhas, do falar da vida das outras pessoas, de como a minha avó descobriu que o meu avô tinha uma amante, que sempre foi muito simpática comigo e tenho-lhe um carinho imenso, porque para muita gente ela seria considerada uma puta, e eu sempre a vi como uma mulher deve ser, livre. Mas a minha avó descobriu que o meu avô andava a foder com essa mulher e sabem o que fez? Tornou-se amiga dela, nunca mais o meu avô teve sexo nem com a amante, nem com a minha avó, sim, porque ser trocad@ por alguem dói muito, seja agora ou seja em tempos antigos.

E das discussões do meu compadre com a minha comadre? De como se comentava que ele tinha facas debaixo da cama para a matar se algum dia ela saísse de casa sem ele. Eu lembro-me que ela sempre me dizia quando eu ia à praia para dar saudades ao mar da sua parte, porque ela desde que casou nunca mais tinha ido à praia, e lembro-me de ela morrer devido a problemas cardíacos, alguem advinha porquê?

Eu explico, ela tinha ido com o marido ao médico 20 atrás e desde então nunca mais foi novamente, ou seja, passou 20 anos a tomar os mesmos comprimidos, a mesma dose e isto porquê? Porque o marido dizia que ela estava bem medicada, pois, ele faleceu, quando foi parar ao hospital já era muito tarde.

E lembro-me da minha avó me levar aos funerais todos que existiam e mais alguns, para uma analfabeta que tinha medo de perguntar ao padre se podia tomar a hóstia sagrada, a maneira mais perto de estar perto de deus era nos funerais.

Voltando outra vez às vizinhas, eu fui ve-las e ficaram muito felizes, começaram por contar que já não têm a mesma saúde, um dos meus vizinhos teve um AVC e não ficou lá muito bem, coitado, tem um neto que é médico mas é ortopedista, não pode tratar o avô...

Mas lembro-me essencialmente daquele sorriso inocente que os caracteriza, talvez seja por isso que eu gosto muito de velhotes, porque fui criada com eles, importa realmente o que digam de ti nas tuas costas? Se isso influenciar na tua vida sim, mas se for só da boca para fora, vamos lá a ver, que mal faz?

E lembro-me das vizinhas fazerem bolos e doces e entregarem-nos para provar a ver se estava bom, bolos aí com 500 gramas cada um, isto só para provar e quando havia colheita fosse do que fosse lá se ia dar um pouco ou muito aos vizinhos.

Tenho também lembranças do dia em que fiz 13 anos (por falar nisso a Laura Pausini hoje faz 38 anos, se ainda não lhe desejaste os parabéns, estás a tempo) e a minha avó pediu ao padre para me cantar os parabéns na missa e lá estava toda a gente com a alegria habitual das missas portuguesas a cantarem-me os parabéns.

Tenho tanta coisa a agradecer a toda essa gente que me viu crescer e me diziam como eu devia fazer a minha vida.

E é esse tipo de sentimentos que eu não percebo na rapariga que não quis ir jantar lá à casa da minha mãe, será que ela ter-me a mim para falar da vez que ela chamou puta à minha avó? Ou será que ela queria falar daquela vez que eu dei com uma vara de marmeleiro na orelha do avô dela e ele quase que me matou à porrada? Ou será que ela queria falar de quando ela ainda era uma fedelha e insultava-me de cima a baixo? Não, ela devia era de querer falar da cor das unhas dela, do novo rimel da puta que a pariu, ou da nova colecção de sapatos do raio que a parta. Ou será que ela gostaria de falar comigo sobre história contemporânea, ou dos problemas sociais que temos hoje em dia? Será que ela gostaria de falar de religião?
Como eu disse à minha mãe, eu?????????????????? Ela queria falar comigo sobre quê? Uma manienta pobre vai falar sobre o quê? Aposto que ela nem sabe desenhar o seu nome, se bem que tem facebook, mas isso toda a gente tem.

Por mim, se fosse possível trocaria esta vida na cidade que é uma merda, pelo descanso no meio do mato, assim pelo menos nunca mais via ninguem na puta da minha vida, mas o problema é que hoje em dia já não há ninguem que empreste uma casa para viver a ninguem, sem segundas intenções.

À merda sociedade que nos deixou muito mais frios e antipáticos que o que deveríamos ser para depois ir ajudar os pobrezinhos a comer, mas que não ligam nenhuma ao vizinho que têm ao lado a não ser para falar mal, à merda.

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